Crédito Habitação

Cerca de 93% dos empréstimos da casa são de taxa variável, fator que aumenta o risco de incumprimento. Mas há atenuantes.

O clima económico está em pressão na Europa, dada a alta inflação e a subida dos juros diretores pelo Banco Central Europeu (BCE). E, agora, o regulador liderado por Christine Lagarde admite que as famílias com rendimentos mais baixos vão sentir mais o impacto da subida dos juros e da redução do poder de compra, podendo mesmo ficar em risco de não pagar as suas dívidas. Entre os vários Estados-membros do espaço europeu, Portugal é apontado como um dos países que mais expostos estão ao aumento do incumprimento bancário.

Os bancos da Zona Euro poderão ver o nível de incumprimento subir, uma vez que a rápida subida da inflação e o aumento das taxas de juros nos créditos habitação estão a ter impacto direto no rendimento disponível das famílias, reduzindo-o. Segundo aponta o BCE no relatório de estabilidade financeira publicado esta quarta-feira, o aumento do nível de incumprimento deverá atingir as economias mais vulneráveis do espaço europeu, como é o caso de Portugal, Espanha, Itália, Grécia e Chipre.

Isto porque as famílias com menores rendimentos gastam cerca de 70% do seu orçamento em despesas básicas tais como alimentação, energia ou habitação, em comparação com 34% das famílias de rendimentos médios. E, segundo os economistas do BCE, um aumento de 10% no custo de vida básico, não sendo compensado por um aumento de rendimento, reduz o poder de compra em mais de 20% para as famílias de rendimentos mais baixos e aumenta a taxa de esforço com a habitação em maior proporção. Já nas famílias de rendimentos médios, a redução é bem menor, de 5%.

No entanto, o incumprimento bancário na Zona Euro “deverá aumentar apenas ligeiramente”, conclui o BCE, uma vez que as famílias com rendimentos mais baixos só representam 13% da dívida bancária, enquanto o total de empréstimos concedidos a famílias de rendimentos mais elevados pesa 70% da dívida. Ainda assim, o regulador alerta que “os riscos negativos para a qualidade dos ativos dos bancos estão a aumentar especialmente nos países mais vulneráveis”.

Crédito habitação: qual o risco de incumprimento em Portugal?

O que os economistas do regulador europeu também frisam é que os aumentos das taxas de juro vão atingir, sobretudo, as famílias nos países onde os créditos habitação são maioritariamente de taxa variável. E Portugal é um deles. É precisamente nestas economias onde há maior probabilidade de incumprimento bancário, tal como explicou a OCDE em junho: “Os contratos de crédito habitação de taxa variável, que têm demonstrado estar associados a uma maior probabilidade de incumprimento das hipotecas quando as taxas de juro sobem, são predominantes em vários países europeus”, como é o caso de Portugal, Finlândia, Lituânia, Bulgária e o Chipre.

Mesmo com os juros a subir a toda velocidade, acompanhando a Euribor, cerca de 92% dos novos empréstimos habitação concedidos em Portugal são de taxa variável, mostram os dados de setembro do Banco de Portugal (BdP). Destes, cerca de 45% estão indexados à Euribor a 12 meses – que está a aproximar-se de 3% -, cerca de 42% à Euribor a 6 meses e apenas 5% à Euribor a 3 meses. Também no stock total de créditos habitação “vivos” até setembro cerca de 93% dos empréstimos são de taxa variável.

Dada a alta subida das taxas Euribor nos últimos meses, a maioria das famílias portuguesas vão, mais tarde ou mais cedo, ver as prestações da casa subir. Um aumento que vai agravar o rendimento disponível que já está pressionado pela subida generalizada dos preços que contagiou toda a economia portuguesa.

Há famílias que já estão a sentir dificuldades. A Deco tem recebido “muitos pedidos de ajuda” de famílias com menos rendimentos, sendo “sobretudo, as que têm taxas variáveis”, partilha Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da associação de apoio ao consumidor. A responsável admite ainda que a elevada proporção de créditos habitação com taxa variável existente em Portugal “constitui um risco”, disse citada pelo Jornal de Notícias (edição impressa).

O que pode atenuar o risco de incumprimento?

Há fatores que podem atenuar a subida do nível de incumprimento bancário em Portugal, que está, hoje, no nível mais baixo dos últimos 24 anos (0,3% em setembro, segundo o BdP). Desde logo, as condições de concessão de novos créditos habitação estão mais rigorosas. E, por outro lado, os empréstimos bancários mais antigos vão sentir menos a subida dos juros, já que com o passar do tempo o peso dos juros diminui nas prestações da casa.

Em junho, antes da subida das taxas de juro diretoras e do agudizar da situação económica, o governador do BdP veio a público rejeitar um aumento significativo do incumprimento no crédito habitação. “As questões de incumprimento, em especial de crédito habitação estão muito relacionadas com o mercado de trabalho e o mercado de trabalho tem demonstrado uma capacidade de resiliência que poucos antecipavam”, justificou Mário Centeno.

Além disso, o Governo preparou medidas para apoiar as famílias que estão a pagar créditos habitação de taxa variável mais caros devido à subida dos juros:

Redução de um escalão no IRS: uma medida inserida no Orçamento do Estado para 2023, que tem como objetivo aumentar a liquidez das famílias que tenham créditos de habitação em ativos;
Novas regras para a renegociação de crédito habitação: trata-se de um diploma à margem do OE2023 que vem definir um conjunto de medidas de acompanhamento e mitigação do aumento da taxa de esforço no crédito habitação. Explicamos como funciona aqui.
Os bancos que operam em território nacional também já fizeram saber que estão dispostos a aplicar o novo diploma e a renegociar os créditos habitação para as famílias que estão em dificuldades de pagar as prestações. Até porque “ninguém quer ficar com as casas de ninguém”, garantiu Miguel Maya, presidente executivo do BCP.

De notar ainda que, além destes novos apoios, o BdP prevê a aplicação do Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) sempre que uma família se sinta em dificuldade de cumprir as suas obrigações com os bancos. Neste plano, o banco deverá apresentar soluções de reestruturação dos crédito habitação, de forma a que a família consiga pagar as prestações e não entre em incumprimento.

Fonte: https://www.idealista.pt/news/financas/credito-a-habitacao/2022/11/16/54930-incumprimento-no-credito-habitacao-portugal-esta-em-risco-diz-bce

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