Crédito Habitação

Comprar casa é o desejo profundo de muitos portugueses. Mas o processo é, por vezes, complexo e moroso, sobretudo, na hora de contratar um crédito habitação. Há que andar de banco em banco e ver quais é que oferecem as melhores condições e preparar muita documentação. Ou então há a hipótese de recorrer a intermediários de crédito (IC), que ajudam os clientes e apoiam os bancos. Por outras palavras, “dignificam os clientes através da recolha de elementos que visam a elaboração de diagnóstico correto, por forma a obter dos bancos não só as melhores condições, mas também um fato à medida”, tal como explica Tiago Vilaça, presidente da Associação Nacional Intermediários Crédito Autorizados (ANICA), em entrevista ao idealista/news.

Recorrendo a um intermediário de crédito autorizado, o consumidor final conseguirá obter um crédito habitação – ou outro tipo de financiamento – com as melhores condições do mercado e ajustado às suas necessidades, garante o responsável, dando nota de que, na prática, o intermediário trata de tudo. “O cliente fala apenas com o IC sem ter o trabalho de se deslocar a várias instituições financeiras, poupando tempo”, acrescenta ainda o presidente da ANICA, uma associação criada em fevereiro de 2020 com um objetivo bem definido: “Dignificar e assegurar o futuro da atividade de IC junto da sociedade portuguesa”, aponta.

A verdade é que os intermediários de crédito estão a crescer em Portugal: já há 6.000 entidades registadas no Banco de Portugal (BdP), das quais 1.500 são intermediários de crédito vinculados. E o peso do trabalho do IC junto das entidades financeiras foi de cerca de 90%, com o crédito habitação a representar 30%, mostram os dados do último relatório do BdP sobre a atividade dos IC entre 2018 e 2020. Mas ainda há um longo “trabalho pela frente” de reconhecimento da profissão pela sociedade. E, por outro lado, a própria legislação portuguesa nesta matéria, através do Regulamento Jurídico dos Intermediários de Crédito – RJIC, também é “muito recente”, explica ainda Tiago Vilaça.

Há muito a fazer pela jovem ANICA e o seu maior desafio passa mesmo por entender a “forma como o IC pode e deve realizar a sua atividade”, reconhece o líder da associação, admitindo que, por outro lado, confronta-se também com uma falha no mercado: “a falta de uma concertação global por parte de todos os agentes”, aponta. Neste cenário, a ANICA é a ponte entre autoridades e parceiros, estimulando o diálogo com os ‘players’ do mercado, com os bancos mutantes, com o BdP, junto da Assembleia República e ainda com associações setoriais, organizações de apoio ao consumidor e outras.

A atividade de intermediação de crédito está a evoluir a olhos vistos e “o potencial crescimento na banca tradicional é alto”, considera o presidente da ANICA. E há vários fatores a contribuir para este cenário: “estamos a viver uma época de despedimento coletivo de bancários com o inevitável encerramento de sucursais”, algo que “traz um vazio na relação dos bancos com o consumidor final”, diz Tiago Vilaça, frisando que, neste contexto, “não temos dúvidas que o papel do IC sai privilegiado”. E na senda deste caminho futuro os “bancos mutantes são parceiros, podendo contribuir e muito para desenvolver este modelo negócio”, já que “somos complementares à sua atividade”, refere ainda. 

A intermediação de crédito é, no seu entendimento, o setor onde “tudo está por fazer”. E, por isso mesmo, aquela que é a associação que representa o setor em Portugal tem muito trabalho pela frente. Mas qual o propósito concreto da ANICA? Quais são as suas linhas de ação nos próximos anos? E o que podem ganhar os clientes finais e os bancos com os profissionais da intermediação de crédito? Tudo respondido nesta entrevista, feita por email, ao seu presidente que agora partilhamos na íntegra.

Quando é que a ANICA foi criada? E qual é o seu propósito? 

A ANICA foi constituída por escritura pública em fevereiro de 2020, um mês antes do primeiro confinamento. Nasce precisamente para dignificar a independência técnica do Intermediário de Crédito (IC). A ANICA foi criada para dar voz, dignificando a profissão do IC. Todos nós sabemos o que é um médico ou um contabilista, mas sobre que é um IC julgamos ter um trabalho pela frente, principalmente pedagógico, junto da sociedade portuguesa. A verdade é que a legislação em Portugal sobre esta atividade, através do Regulamento Jurídico dos Intermediários de Crédito – RJIC, é ainda muito recente. Simultaneamente, representaremos o setor, com cerca de 6.000 entidades registadas no Banco de Portugal (BdP), de modo a promover a união junto das autoridades e parceiros, que é crucial para o desenvolvimento económico dos agentes.

Quais são as principais linhas de ação desta jovem associação? Como pretendem apoiar os associados? E já têm iniciativas pensadas para promover a aquisição de novas competências entre os profissionais de intermediação de crédito?

Temos como principal missão a proteção dos legítimos interesses dos nossos associados e a promoção do desenvolvimento e reconhecimento desta atividade. Desde a criação dos nossos estatutos temos a subscrição de um código ética por parte dos novos associados, com a intenção de promover o cumprimento de regras e saber fazer por parte dos profissionais que atuam diretamente nos bancos mutuantes ao serviço do consumidor final. Desenvolvemos também a criação do “Selo ANICA”, que certifica que um IC associado da ANICA é um IC informado e cumpridor de um código ética. É, portanto, um selo de qualidade para o consumidor final. Estamos também a desenvolver parcerias com outras entidades para que nos ajudem a levar a bom porto esta nossa missão: “Dignificação da Atividade”. Também iremos atuar junto das autoridades reguladoras, para que os agentes económicos possam desenvolver a sua atividade de forma mais tranquila.

Temos no nosso plano de atividades a aposta na formação de qualificação do “saber fazer”. Acreditamos que esta profissão está a crescer, é uma atividade com futuro. E para que o mercado nos reconheça qualidades, não chega só o acesso à profissão. Acreditamos numa renovação de competências, até porque a única constante é a mudança e temos de abraçar o futuro, como é o caso da digitalização. Os bancos mutuantes, com quem temos vindo a dialogar com frequência, também partilham desta opinião e estão muito interessados em acompanhar a ANICA e os nossos associados por inerência.

“Somos a única associação de um setor onde tudo está por fazer”, disse na mensagem do presidente no vosso website. Que falhas há no mercado que a ANICA quer colmatar? Quais os principais desafios que enfrenta? 

Os principais desafios são do entendimento da forma como o IC pode e deve realizar a sua atividade. A principal falha que vamos notando é a falta de uma concertação global por parte de todos os agentes. Compreendemos que a legislação nesta área é jovem, compreendemos a ausência de jurisprudência, mas acreditamos firmemente que devemos trabalhar preventivamente e não depois. De todas as reuniões e grupos de trabalho que estamos a participar, constatamos o receio dos agentes económicos na forma como podem fazer o seu trabalho diariamente. A nossa intervenção passa por continuar a dialogar com o BdP dando nota das nossas preocupações, com o qual mantemos, aliás, uma excelente relação e somos ouvidos sempre que o solicitamos. Teremos igualmente de assegurar um alinhamento por parte dos bancos mutuantes, um braço do regulador BdP, e junto da Assembleia República, onde se trabalham os projetos e propostas de lei. Não menos importante é a experiência dos nossos pares, outras importantes associações e organizações, que contribuem para o desenvolvimento direto e indireto da nossa atividade. É o caso da APEMIP, ASFAC, DECO, sem nunca esquecer a importante experiência dos nossos associados, os principais ‘players’ a operar em Portugal, quer no canal físico/redes, quer no digital. Temos vindo a falar com todos sem exceção, sempre com a mesma preocupação: dignificar e assegurar o futuro da atividade de IC junto da sociedade portuguesa.

Qual é o peso da intermediação no negócio de crédito em Portugal face à concessão direta por parte dos bancos? E qual é o seu potencial de crescimento – tendo por base casos de outros países? 

O último relatório do BdP, acerca da atividade IC de 2018-2020, dava nota de que o peso da IC junto das financeiras seria cerca de 90% e cerca de 30% no crédito habitação, separando assim duas áreas de negócio (financeiras e banca retalho) sendo que na primeira área o peso incide mais sobre os IC a título acessório. Na nossa opinião, o potencial crescimento na banca tradicional (retalho) é alto.

Estamos a viver uma época de despedimento coletivo de bancários com o inevitável encerramento de sucursais. Este fenómeno traz um vazio na relação dos bancos com o consumidor final – que aliado ao crescimento do digital – não temos dúvidas que o papel do IC sai privilegiado.

Existe aqui muito a fazer ao nível da regulação. Assim como em outros países, caso de França onde a intermediação já existe há mais de 30 anos, o cliente final reconhece bem a importância do IC sentindo-se servido e existindo confiança. Em Inglaterra há também o denominado ‘broker’ e apesar de estar fora da União Europeia é outro caso de sucesso e crescimento desta profissão.

Aliás, a transposição da diretiva comunitária em 2018 tem por base a experiência destes países. Mas acreditamos que a mesma dever ser moldada à nossa cultura portuguesa, pois temos outras variáveis, menos formais, mas mais de relação com o consumidor final.

Os bancos são concorrentes ou aliados? Quais as dificuldades nesta relação?

Não, não nos vemos como concorrentes de nenhuma outra atividade privada ou coletiva em Portugal, é algo que tanto quanto sabemos, seremos a única entidade existente que tem a defesa do IC como principal missão. Ora neste sentido, os bancos mutuantes são parceiros, podendo contribuir e muito para desenvolver este modelo negócio. Somos complementares à sua atividade, contribuindo para podermos falar a uma só voz com a nossa massa de associados. Pretendemos não só partilhar experiências, como também desenvolver ferramentas em conjunto. Não temos sentido dificuldades na relação com os bancos, apenas uns estarão a acompanhar mais este projeto do que outros. Alguns andam um pouco mais distraídos ainda…

Que vantagens oferece um intermediário de crédito aos clientes – consumidores e bancos? 

Claramente, aportando o seu conhecimento técnico. Por um lado, dignificam os clientes através da recolha de elementos com elaboração de diagnóstico correto, por forma a obter dos bancos não só as melhores condições, mas também um ‘fato à medida’. Algo que sirva realmente o caso em concreto, logo a necessidade do consumidor final. Por outro lado, o cliente fala apenas com o IC sem ter o trabalho de se deslocar a várias instituições financeiras, poupando tempo.

A pandemia veio ajudar ou dificultar a atividade de intermediação? 

Como a atividade tem estado a crescer, acredito que a pandemia não teve uma relação direta. Esta atividade está a crescer porque os profissionais têm feito um excelente trabalho. Apesar do regulador travar muito a forma como os IC podem anunciar os seus serviços, julgamos que a qualidade e o sucesso dos profissionais fazem com que o consumidor per si só procure cada vez mais este serviço, sabendo que podem confiar.

E qual o papel da tecnologia e da digitalização no setor?

Maior celeridade dos processos e maior proximidade. E ainda 24h por dia sete dias por semana. Inevitavelmente. 

Como avalia a atividade financeira não autorizada em Portugal? Há casos que envolvem créditos habitação? 

Achamos que aqui o regulador tem muito trabalho a fazer, é fácil fiscalizar quem está registado e há fácil acesso. Mas é precisamente na atividade ilegal que os agentes regulação devem ser mais incisivos. Neste momento a atividade de IC não está defendida como gostaríamos. O simples facto de a legislação permitir a existência de protocolos com bancos de “Promotor Bancário”, que motivação terá esta pessoa em subscrever um seguro de responsabilidade civil e certificar-se no acesso à atividade de IC? Ainda temos algum trabalho a fazer aqui.

Contudo, junto da Assembleia da República, a ANICA tem vindo a fazer algumas diligências junto dos grupos parlamentares. Exemplo disso é o caso da recente alteração do quadro legal complementar de prevenção e combate à atividade ilegal e defesa do consumidor, através dos Projetos de Lei n.º 781/XIV/2.ª e 678/XIV/2.ª, que estabelece que “um quadro complementar de proteção do consumidor perante a oferta de produtos, bens ou a prestação de serviços financeiros por pessoa ou entidade não habilitada”. Desconhecemos casos em concreto.

O que pode ser feito para melhorar a intermediação do crédito habitação em Portugal? 

A satisfação do consumidor final só é possível adequando os serviços do IC e promovendo a literacia financeira junto dos seus clientes. E ainda garantindo que as regras e cuidados são cumpridas para que as famílias portuguesas não entrem em sobre-endividamento. Este é o único caminho.

Quais são os principais objetivos da ANICA no médio e longo prazo? Quantos associados já têm? 

Os principais objetivos da ANICA passam por oferecer serviços aos seus associados: serviços jurídicos, criando a jurisprudência que falta na atividade; falar a uma só voz, obtendo ferramentas que permitam ao IC desenvolver melhor a sua atividade; acesso a parcerias económicas mais vantajosas; bem como formação e até ajuda ao processo de certificação à atividade, isentos de qualquer interesse comercial.

Para isso, vamos continuar a crescer. Dos cerca de 6.000 inscritos no BdP, apenas 1.500 são intermediários de crédito vinculados e são estes os que mais dependem da nossa missão. Temos como objetivo atingir os 150 associados até final de 2021. Para o próximo ano, esperando que não haja um novo confinamento, iremos realizar algumas atividades de proximidade para que possamos atingir os 400 associados. Só com massa crítica, músculo, poderemos fazer bem o nosso trabalho.

Fonte: https://www.idealista.pt/news/financas/credito-a-habitacao/2021/11/24/49828-intermediarios-de-credito-habitacao-atividade-esta-a-crescer-e-tem-futuro

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